PERMANÊNCIAS E
TRANSFORMAÇÕES DA VILA CHOCOLATÃO
Construção das
identidades dos catadores no processo de reassentamento
MARCELO KIEFER
Quando a Vila Chocolatão é
transferida do Centro da Porto Alegre para Avenida Protásio Alves, 9099, na
periferia, não só seus moradores, como a cidade, se deparam diretamente com um momento crítico
do processo inevitável de permanências e transformações.
Muitas relações se alteram. Dentre
elas a confrontação física que deixou de existir entre os prédios
institucionais, representando os valores da sociedade, e a favela, compacta,
representando o que está à margem dessa concepção.
Mas não é só isso. A troca de posição
da vila na cidade, estabelecida por uma nova organização espacial e
materialidade das casas, também determina outra forma de habitar, que entre
outras coisas está relacionada ao trabalho, à diversão, à moradia e às relações
humanas. Muitas opções de mudança e continuidade parecem se tornar mais acessíveis,
mais próximas.
O processo de
transferência é e foi um choque que põe a identidade dos moradores, como sujeitos e
como comunidade, em uma zona de turbulência, e praticamente convida a todos,
consciente ou inconscientemente, a revisar intensamente seus valores.
Porém, todas as
transformações que passam a se estabelecer partem da idéia de Vila Chocolatão e
de sua vida pregressa no Centro. Partem das identidades que os sujeitos
carregam a esse respeito e que serão confrontadas com os novos elementos, sejam
eles considerados positivos ou negativos por quem quer que seja.
Se apropriar ou
não dos valores oferecidos pelas novas relações, considerá-los bons ou ruins,
utilizá-los desta ou de outra forma, são ações particulares ou conjuntas que
dependem do desenvolvimento das identidades, ou seja, de valores que estão
permanentes nos sujeitos. Essa construção pode ser inconsciente ou consciente e
mais ou menos conflitante. Partindo dessa idéias, todos os caminhos são possíveis,
desde uma adaptação que promova um caráter redesenhado da Vila Chocolatão, com
mais qualidade de vida e abertura de oportunidades de desenvolvimento cultural,
social e econômico, até a desconstrução dessa comunidade, com os moradores
voltando para o Centro em busca do antigo modo de vida.
Sem instrumentação
e consciência sobre o processo de transformação que ora se apresenta de certa
forma radical, os conflitos de adaptação poderão ser predominantes. Os sujeitos
ficam mais resistentes, procurando as referências seguras naquilo que conheciam
e onde pousavam suas identidades. Não que o novo endereço e as novas relações não
possam ser também reconhecidos, “libertando” identidades dos sujeitos da antiga
Vila que antes estavam presas na falta de oportunidade e recursos.
Por outro lado,
a idéia de conscientização sobre o processo de permanências e transformações
abre caminhos para uma mudança legítima, não apenas resultante de uma imposição
institucional ou circunstancial. A antiga Vila torna-se a nova Vila Chocolatão
(agora afastada do prédio, cujo apelido lhe deu o nome) através de escolhas,
desenvolvendo diretamente o sentimento de pertencimento nos sujeitos.
Oportuniza-se o desenvolvimento local a partir dos próprios valores e
potencialidades, mesmo que sejam poucos os recursos e auxílios externos, bem
como mudanças na relação dentro da comunidade e entre a comunidade o restante
da sociedade que reproduzem os valores de segregação cultivados pela sociedade
ocidental.
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