08/04/2009



MEMÓRIAS DO PROFETAS
Pedro Figueiredo

III

Nas mesas de trabalho a gente ouve de tudo. Soube da história da menina da Ilha, a Ivana que contou-nos que não conheceu a mãe e foi criada pela madrinha, ela mais três irmãos. A madrinha morreu, e ela assumiu as crianças. Tem 22 anos, e agora teve de assumir o filho da irmã, que caiu na desgraça do crack, ela tem 16 anos. Contou-nos que um dia destes chegou em casa não tinha água, foi procurar ver o que aconteceu: a irmão tinha vendido a caixa dágua para comprar a droga maldita.
As histórias dramática se repetem. Tudo sai na mesa de trabalho. Ontem soube que Valtencir nosso guarda, foi abordado quando passava por dentro do pátio do DC Navegantes. Ele é um negro bonito, mas é negro. Negro tem que se cuidar sempre, que horror. Ele contava com uma certa naturalidade. “Sempre é assim” falou ele brincava com o acontecimento, “Negro só gente, quando vai ao banheiro”. Ele me falou brincando do dizer facista escrito na porta do banheiro público: fusca não é carro, negro não é gente, inter não é time. Ele cursava o primeiro ano do segundo grau, quando pegou fogo no seu barraco atrás do Chocolatão. Foi morar na rua, quando numa noite dessas acordou sem calçados e seus cadernos. Já frequentou até curso de informática.
A idéia do Profetas II surgiu um pouco antes do Natal. Quando o PT perdeu a prefeitura. Mostraram ao Matias uma área nobre no início da Ramiro. Duvidei que eles conseguiriam aquela área, agora já é março e eles estão felizes no local. Estive com Cechim, neste Sábado numa primeira reunião. São moradores de rua. Um tipo de público com o qual nunca trabalhei. Tem crianças subnutridas no grupo. Uns três portadores do HIV. Não possuem água nem luz. Fizeram um “gato” no poste da Castelo Branco. Só tem luz à noite. O Cechin arrumou uma geladeira. Dizem que os mosquitos é uma coisa infernal.
O nosso jovem bamboneiro Gilson, dizem que um exímio jogador de futebol. Mas ontem vi o desespero de um asmático. Quase não conseguia caminhar, tal era o desespero de alguém que quer respirar e não pode. Pensei em levar a Nita Pavelacki, para uma conversa sobre saúde alternativa com todos, pois tem coisas berrantes em desvios alimentares, que a propaganda obriga-os a comer ou beber, que eles não conseguem verem-se livres. Sempre me preocupa o que faremos para animá-lo a permanecer aqui. Tenho certeza que as condições de trabalho que o galpão oferece, não deixa ele pensar o futuro aqui. Neste quadro verifico que é uma das causas que lideranças autoritária acabam reforçando-se nos galpões. Os jovens vão sempre embora, ficando mulheres chefe de famílias quase sempre desesperadas em garantir o leite no fim do dia para filhos. Uma delas me falou: “atrasou um pouco a reabertura da creche” lembramos hoje é 28 de março de 2005.
Conversei com Marcelo, carrinheiro do Profetas II. Ainda jovem, 28 anos, simpático o rapaz. Me contou coisas incríveis de sua trajetória de ladrão de carro e de cofres. Até fico pensando se tudo aquilo é verdade. Ele é pequenino, com gageira bastante acentuada e como pode ter tanta coragem assim, meu Deus?? O que mais me chocou foi quando perguntei à ele porque tinha deixado de tudo. Respondeu: “Cansei de roubar para a polícia, quando passava um tempo sem me pegarem eles ficavam no meu pé, até me localizarem e me prenderem. Já viam com uma procuração pronta para eu assinar, entregando meu carro, ou minha moto.” A estrutura do estado é absolutamente anacrônica. Mantêm-se os presídios, as FEBEMs, da vida para sustentar uma corja de funcionários públicos corruptos, as banda podre, etc. Me certifiquei disto quando desesperados por água, e diante da inoperância do DMAE, o pessoal do Profetas II abriram a rua, cortaram o cano, fizeram a ligação em frente de uma delegacia integrada – ratos e porcos juntos – eles olhando impressionados e não mexeram um dedo para tentar impedí-los.