20/04/2010


Inumano demasiado inumano. I
Bruno Euphrasio de Mello

APÓS A OFICINA DE MOSAICO NO GALPÃO
Não me lembro exatamente a data, mas, certo dia, levei um tampo de madeira redondo revestido com um mosaico que havia feito alguns anos atrás, antes de vir para o Rio Grande do Sul, para presentear o pessoal do galpão. Queria mostrar pra eles o tipo de trabalho que pretendíamos realizar nos banheiros e fazer uma simpatia. A bandeja foi usada para apoiar os copos virados de boca para baixo na cozinha. Dona Vera, mãe do Rodrigo, que naquele período trabalhava fazendo o almoço para os trabalhadores do galpão, ficou encantada com a bandeja. Não parava de elogiá-la. Dias depois me chamou e perguntou se eu poderia fazer uma bandeja como aquela para ela, com um desenho, símbolo de seu signo, gêmeos, que ela havia guardado a algum tempo. Não pensei duas vezes e disse que não havia problema. Ela ficou de me passar o desenho noutro dia. Relatei esse pedido ao professor e ele me propôs fazer-mos diferente. Poderíamos, ao invés de fazer um presente especifico para uma pessoa especifica realizar uma oficina aos interessados. Assim todos teriam o seu mosaico, fruto de seu próprio esforço e dedicação. Essa oficina também serviria para que a turma do galpão pudesse ter contato com o trabalho que se iniciava nos banheiros. Quem sabe o pessoal não se anima a fazer mosaicos e participa do processo de melhoria dos espaços do galpão, que se iniciava com a fixação dos cacos no banheiro? Ou, mais utopicamente, quem sabe o mosaico não se transforma numa alternativa de renda ao lixo, e o pessoal sai desse trabalho? Eram expectativas que passavam pelas nossas cabeças. O professor me passou a responsabilidade de ligar para Eliane, responsável pelo galpão, para dizer-lhe essa historia do pedido de D. Vera e que preferíamos fazer a tal oficina. Ela ficou de marcar essa atividade numa reunião do galpão. O dia marcado foi um sábado. Eu e o professor nos responsabilizamos por levar o material para a oficina (cacos de azulejos, cola, papel, lápis para o desenho das formas do mosaico) e a lasanha para o almoço e eles em aparecer no dia combinado. Foram umas dez pessoas das vinte e poucas que trabalham no Profetas. Principalmente os mais novos de idade entre 16 e 20 anos. Fizemos os trabalhos, uns com mais facilidade e empenho do que outros. Almoçamos e continuamos brevemente à tarde a finalização dos mosaicos. Uns levaram suas pequenas placas de madeira com mosaico para casa, outros as deixaram por lá. Quando a maioria das pessoas tinha ido embora, por pedido de Dona Vera, fomos arrumando as mesas, juntando os cacos e osmateriais de trabalho quando chega uma mulher na porta do galpão. Dona Vera se dirige à ela, troca algumas palavras e chama Rodrigo, seu filho, que andava noutro lugar do galpão. Rodrigo chegou, e nós, eu e o professor, arrumando as coisas. Sentou-se numa cadeira, no meio de fardos de papel, papelão, garrafas plásticas e sacolas de lixo à espera de separação no inicio da próxima semana, enquanto essa tal mulher preparava seu material de trabalho. Cansado, Rodrigo adormeceu ao fim da tarde, sentado naquela cadeira, entre dardos e sacolas, com uma das mãos dentro de um pote com água morna e com essa tal mulher, manicure e pedicure, fazendo, com zelo, seu pé e sua mão. Dona Vera
acompanhava de perto esse trabalho, como que fiscalizando a qualidade da tarefa.