24/06/2009





Fragmentos sobre a nossa experiência no Galpão de Reciclagem Rubem Berta. Porto Alegre

Temos buscado um maior contato com a Associação de Reciclagem Rubem Berta, fazendo visitas semanais ao galpão. Não é nosso objetivo usar a Associação e as pessoas como uma experiência acadêmica, mas, juntos, trabalhar oferecendo nosso campo de conhecimento para, na medida do possível, proporcionar melhorias para aquelas pessoas.
Durante o primeiro semestre de 2007, a turma da disciplina de Projeto Arquitetônico 4 trabalhou em projetos de melhoria do galpão. Para isso, durante o semestre, foram feitas visitas regulares ao local, buscando entender e conhecer mais a fundo o processo de triagem, o próprio local, assim como as pessoas que de lá tiram seu sustento.
Para que os trabalhadores tivessem um pequeno retorno do que foi desenvolvido durante esse período, dia onze de outubro, então, fomos ao galpão apresentar os projetos dos alunos.
Alguns dias antes, falamos com a Marisa, nosso contato no galpão, pedindo permissão para irmos até lá apresentar os trabalhos. Depois, porém, dessa ligação, o presidente da associação, Renato, numa visita do professor F. Fuão, afirmou não ser possível a apresentação dos trabalho na data antes marcada com a Marisa. Entretanto, dias depois, ao ligar novamente para Marisa, ela normalmente confirma a data antes marcada sem mencionar a proibição de Renato. Por esse e outros episódios supomos uma desaprovação por parte dele da nossa presença no galpão, mesmo que na maioria das vezes não o encontramos lá.
Marcada a visita com a Marisa para o dia onze de outubro às dez e meia da manhã, chegamos lá exatamente no horário, imaginando ser esse o horário da pausa da manhã. Chegando lá, todos estão trabalhando, o horário da pausa era às nove e meia. Assim que estivéssemos prontos com as pranchas dos trabalhos a serem apresentados, deveríamos chamar o pessoal, segundo ordens da Marisa.
A área de intervenção dos trabalhos ficou a critério de cada aluno. Surgiram então três modelos básicos: vestiários masculino e feminino, refeitório com cozinha industrial e a remodelagem do centro cultural Irmão Romildo, um chalé de madeira construído no mesmo terreno do galpão; a “escolinha”.
A princípio, pensamos em apresentar os trabalhos dentro do chalé. Porém, como as pranchas dos trabalhos foram impressas em folhas bastante grandes (tamanho A0) buscamos uma solução mais fora do convencional para as expormos. O primeiro trabalho foi fixado na parede pelo lado de fora da “escolinha”. Como tínhamos por objetivo apresentar duas possibilidades de intervenção para cada tema, poderíamos dar a volta no chalé que não seria suficiente para fixarmos todos os trabalhos. Utilizamos, então, as paredes do próprio galpão para fixar os outros trabalhos. A situação criada foi, no mínimo, interessante. A arquitetura exposta na própria arquitetura. Entusiasmados, os trabalhadores, ao verem suas imagens (calungas, como diriam arquitetos!) nos trabalhos, começaram, antes mesmo da apresentação, a aglomerarem-se em frente os trabalhos. Trabalhos expostos, chamamos os outros (poucos, na verdade, que naquela hora já não estavam analisando os projetos).
Buscando atrair a atenção de todos não nos delongamos com detalhes. Poucos é que realmente prestavam atenção ao que era apresentado. Acostumados com apresentações dentro da faculdade, nos é estranho ter que apresentar buscando atrair a atenção.
Nesse momento ocorre um fato a ser analisado. Vendo as imagens, que buscavam apresentar os ambientes totalmente reformulados, a Marisa, como se quisesse chamar a atenção dos outros, desestimula o sonho de terem algo tal qual estávamos apresentando. Segundo ela de nada adiantaria investir numa reforma daquele tipo, pois em pouco tempo seria utilizada como mais um espaço para o lixo, e que certamente seria pilhada. Isso nos chamou muita atenção! Suas palavras e o modo como disse aquilo levaram a entender que alguns roubos partem dos próprios trabalhadores da associação. Algumas melhorias já foram feitas, mas acabam sumindo “misteriosamente”.
Além da Marisa, poucos demonstravam sua opinião. Assim, prosseguimos.
O último trabalho apresentado foi o que estava fixado na escolinha, que tinha como tema a sua própria reformulação; área em que todos demonstraram o maior interesse em realmente investir. A essa altura a maioria nem mesmo olhava o mesmo projeto. Continuamos com os que estavam nos acompanhando. De repente, uma das “recicladoras”, em tom de indignação, nos repreende bastante frustrada e nervosa. Ela tinha acabado de ler o texto analítico da situação atual, em que o aluno falava das condições do galpão. Buscando entender sua revolta, lemos em voz alta para que todos ali pudessem dar sua opinião. O texto descrevia de forma crítica a situação em que se encontravam os banheiros, as instalações elétricas e a má localização da cozinha, que tinha porta de entrada bem próximo dos boxes de armazenamento do material triado. Segundo ela, a atitude de colocar isso no trabalho estaria rebaixando o galpão (leia-se, os trabalhadores do galpão). Assim, ela comenta outro episódio semelhante, em que olhando outro trabalho acadêmico, leu que o motivo de os trabalhadores se sentarem em grupos isolados nas pausas, para as refeições, era para fazer fofoca uns dos outros. Isso irritou muito ela, os de fora visitam e tomam suas próprias opiniões e escrevem isso em trabalhos que serão lidos por várias pessoas. Isso leva as pessoas que não conhecem o galpão a terem um preconceito, não apenas para com o próprio galpão, mas também para com as pessoas que lá trabalham. Iniciada essa discussão, naturalmente surgiram reclamações de grupos de estudantes, que muitas vezes vão visitar a unidade de triagem, e ao percorrerem o local fazem cara de nojo e reclamam do mau cheiro. Na situação de pacificadores, tentando acalmar os ânimos, buscamos mostrar a eles que os estudantes chegam com o objetivo de propor melhorias, criticando aquilo que, em sua opinião, poderia ser melhorado. Reconhecemos que os trabalhadores, mais do que ninguém, é que conhecem a realidade do galpão e as dificuldades encontradas no dia-a-dia. Porém, também tentamos mostrar que nós, como colaboradores, olhando de fora da situação, muitas vezes, vemos coisas que poderiam ser resolvidas facilmente, e que não estamos lá para criticar ou humilhá-los, pelo contrário, que nosso objetivo é ajudar de alguma maneira, com o que estiver a nosso alcance, mesmo que seja dando idéias para futuras melhorias.
Essas situações evidenciam não apenas incrível choque cultural, mas também a necessidade de atender ao valor das pessoas. É importante para cada atitude que pretendemos tomar, analisar o que o outro pode interpretar, principalmente em situações de “abismos culturais”. Precisamos demonstrar devido respeito para com todos, sem distinção de local de trabalho ou classe. Afinal, qual a diferença entre as pessoas? O que pode fazer de alguém minimamente superior a outra?
Continuamos a visitar periodicamente o galpão, mas talvez possamos ajudar menos do que aprender!
Marcelo Heck Thiago Wondracek Fernando Fuão Agata Mueller 2008