16/03/2009




MEMÓRIAS DO PROFETAS

Pedro Figueiredo

I

Tem que começar do zero. Na primeira tentativa o computador me traiu, e perdi vinte e cinco páginas...
É uma montanha de lixo. Minha primeira sensação foi de desânimo tanto minha como das pessoas. Muito sem jeito, arrumaram luvas para mim, advertindo-me que não se pode de jeito nenhum trabalhar sem elas. Troquei a roupa num banheiro sem ventilação, escuro e com cheiro horrível. Uma telha quebrada molha tudo, tenho a impressão que à muitos anos. Fui prá mesa, e comecei a depender totalmente das mulheres que me faziam companhia. Elas realmente entende de toda a variedade de material existente. É incrível a variedade. O meu primeiro desejo foi de começar a juntar tudo aquilo que eu achava interessante. Logo fui notando que seria impossível, pois eram muitas coisa interessante que aparecia.

Noto que as reuniões do Cechim não funciona. Ele vem de vez em quando no galpão. Ele desconhece absolutamente o cotidiano do grupo, (não sei se dá para chamar de grupo). Existem dinâmicas cotidianas próprias, que se desenvolvem nas entrelinhas da convivência. Os conflitos nascem daí. Os subgrupos surgem rapidamente, como também rapidamente eles se movimentam. Uma família domina todas as atividade do galpão. Os outros pequenos grupos, ora se aliam com uns, ora com outros...

Se cada assessor, professor, educador fizesse sua parte?! O nosso papel nestes coletivos são fundamentais. O novo mundo é sim possível a partir do momento que me decido a ter novas práticas. O desafio é fazer um discussão nova sobre o papel novo do Educador popular para estes novos tempos. As vezes fico pensando: será que não estamos lidando com ferramentas obsoletas para realidade absolutamente novas? As pessoas se submetem a qualquer coisa. Duas pessoas passaram hoje no galpão pedindo trabalho. Ontem acho que outras duas, uma delas chorou na minha frente dizendo que as três crianças não tinham o que comer, deu um problema no fome zero e ela não recebeu o dinheiro no banco.

Hoje aconteceu um negócio incrível. Brigaram por causa da lingüiça que sumiu da geladeira. Nestes dias ainda não conseguimos realizar nosso sonho de ter almoço no Profetas. Falta tudo aqui. Existe o fogão, mas tem os queimadores, as panelas foram levadas, não se sabe se foram levadas para venda como alumínio, ou se simplesmente foram roubadas. Tem muita barata por toda a parte, até dentro da geladeira, tudo é barata. Eu nunca tinha visto tantas, elas são pequeníssimas.

A montanha de lixo podre aos poucos vai descendo. Estou vivendo a nova experiência de reciclar. Ficar junto deste novo tipo de trabalhadores. A novidade para mim é trabalhar com uma atividade que fazem dela um meio de sobrevivência. Sempre meu trabalho foi de mobilizar, fazer articulação política. Agora não, tenho que negociar preço, fazer controle da produção, além de sentir o cheira do lixo podre. Se acha de tudo nele. É muito comum encontrar ratos mortos. Não imagino porque que eles morrem, pois ninguém colocou veneno. Na mesa se consegue conversar muito pouco, a música que eles escutam é o chamado “pancadão” uma coisa barulhenta, quando chega ao fim da tarde a gente está cansado. É alta de mais. Noto a todo momento que as oito mulheres que trabalham tem vícios que foram sendo adquiridos no quotidiano da vida do galpão. Elas saem a hora que querem da mesa de trabalho, fumam, tomam águas, vão ao banheiro. Tenho uma tendência a ficar quieto. Me perco em minhas reflexões. Pensando nas possibilidades de alternativas, etc.

Já começo a me dar conta que o coração do galpão está nas mesas, e na agilidade que as trabalhadoras possuem no trabalho de triagem. Se elas tiverem lixo na mesa, se produz, ao contrário o volume triado a baixo. O chamado volante, ou bamboneiro também é fundamental. A produção também depende de sua agilidade. Não sei identificar o que é mais cansativo. Pois ficar de pé 4 horas seguido é uma atividade exaustiva.

Os trabalhadores chegam muito tarde. Muito pouca disciplina. Eles tem uma “tolerância” de 15 min., claro todos chegam no limite dos 15 min. A família do Ge dá o tom para o galpão. Se trabalha somente na parte da tarde e com o horário de verão solta-se as 19.00hs. Hoje faltou o bamboneiro eu assumi o posto. Não é um serviço muito cansativo, mas exige agilidade. Tem que juntar o lixo que estar solto, para depois distribuir nas mesas. É um trabalho dobrado. O desenho do galpão é dos primeiros galpões do estado, foi a partir das limitações do profetas que foram sendo pensadas outra alternativas. Minha coluna se recente, mesmo porque o tempo estava para chover hoje.

Muitas crentes no galpão, acho que maioria. Com elas é bom trabalhar. Elas são obedientes, solícitas. Nada questionam. Estão sempre a repetir “o pastor falou” ou “falei com a mulher do pastor”. Todo é sujo neste galpão. Todas as baratas do mundo vieram morar aqui, porque aqui é o lugar delas. A cozinha é uma tragédia. O fogão, a geladeira, tudo está infestado por elas. O galpão é a extensão da casa dos trabalhadores, noto quando trazem sobras da janta para comerem no galpão. Não noto nenhuma atitude de colaboração na limpeza dos espaços comuns. Pelo contrário, notei ontem que todo o lixo produzido pelos trabalhadores é jogado pela janela da cozinha. A família do Ge me chateia, eles comandam tudo, dão o tom para o trabalho. As vezes perece que seria melhor instalar um posto de assistência social dentro do galpão. Não existe um ambiente de trabalho de empresa.



A VIDA EMBALADA
Fernando Freitas Fuão




1 O EXTÂSE DAS EMBALAGENS.


Cacos e raspas me interessam.
Cazuza


O fardos do tempo moderno, o tempo dos fardos modernos.
O novo tempo da colheita e o ciclo “capetalista” com diria o profeta Gentileza, os fardos da reciclagem dos resíduos sólidos, o lixo mesmo, constituem a grande colheita da atualidade.
Os frutos do desperdício, os flakes da superficialidade da modernidade proliferam em todos os lugares.
Um sentido que a pobreza encontrou dentro de um processo produtivista massacrante de uma sociedade sem sentido mesmo. O lixo é também metafórico de um sentido jogado fora, esvaziado. Um sentido que os pobres encontraram no desperdício, sentido e sem sentido, que vem justificar todo a cultura do desperdício humano, sobretudo do descartável humano.
A (i)numanidade do (i)mundo.
Colheita do desperdício, cultura da superficialidade.
Na nova plantação não há sementes nem frutos, tampouco se vê a polpa viva, só cascas que achamos que protegem os produtos, embalagens. Produzem-se fardos enganosos coloridos de latinhas de refrigerantes, de detergentes, tetrapack, compondo um mosaico de cores admirável, como florais. Na cultura da industria do lixo tudo é artificial, exceto as pessoas que dele retiram seu sustento, fazem do artificial, naturalmente, sua vida.
É o mito do eterno retorno do rejeito e do rejeitado social que voltam a superfície da vida. Seu devir é ser superficialidade, inutilidade humana.
De uma forma geral, a superficialidade do lixo, revela a superficialidade desse modo vida que somos submetido à força pela sociedade da qual todos nós somos participes. O universo novo da reciclagem, não passa de um engodo, um modo de perpetuar a sociedade capitalista, escamoteando sua verdade de produção de inútilidades e de seu respectivo consumo. Nos viciamos no consumo. A droga, e seu análogo do vicio, é a metáfora do drogadição do consumo. O retrato mais autêntico da nossa sociedade é ali onde ela se apresenta mais descaradamente: descascada na cesta do lixo, jogada nas ruas, caída pelas sarjetas.
Há embalagem para todo tipo de produto nesse mundo, talvez já exista uma embalagem previa a um produto que nem exista. Há embalagens para embalagens que embalam embalagens. Rótulos para embalagens, rotuladoras e embaladoras.
Uma nova e perigosa economia emergente surge apóiada no discurso da sustentabilidade, no discurso reciclagem, nos discursos que só querem ver os resíduos, e re-introduzi-los na cadeia produtiva ecologicamente correta, mas na maioria das vezes o universo da sustentabilidade ambiental tem-se mostrado social totalmente incorreta. Só vê a coisa desde o ponto e vista ambiental e não social.
O discurso ambiental não caminha de mãos dadas com o discurso social, e com o passar dos dias mais se afastam um do outro, e não será estranho que sobre a bandeira ecológica surja um novo opressor. O discurso ambiental, de alguma maneira, desloca a antiga culpabilidade social para a problemática ambiental do lixo, fazendo-nos esquecer dos seres humanos que são abandonados pelo processo produtivista capitalista.
Excluídos da economia e da sociedade agora puxam carrinho pelas ruas, fazem de suas malocas um lixão, fazem do carrinho sua casa, reviram e separam o lixo nas mesas de triagem, ‘reciclam’ os rejeitos produzidos pela sociedade. São os catadores, os recicladores, figuras localizadas no fim da cadeia do lixo - como se referem alguns ambientalistas- e lutam desesperadamente para serem reconhecido nesse processo. São terminais. Um grande contingente humano, maior mesmo que o rejeito material, o lixo. Homens, mulheres, crianças que desde cedo aprendem a amassar latinhas de refri, a dobrar papelão, vidas que se aproximam dessas cascas e restos para engordar as fileiras da reciclagem, encher o bolso dos novos empresários do lixo do capitalismo.
O prefixo RE de reciclagem, só reapresenta, na maioria das vezes, a nova roupa do rei, ele é antes um prefixo de dominação e pouco nominativo, esse RE reintroduz no ciclo, coloca uma vez mais o que havia temporariamente sido abandonado. Recicla-se os resíduos, mas não as vidas que se esgotam pelas ruas e pelas calçadas com seus carrinhos, ou nos telheiros escondidos das periferias dos galpões de reciclagem.
Importa mais o material que as pessoas. Todas as propostas sociais e políticas no universo da reciclagem para melhorar a qualidade de vida dos recicladores como, inclusão digital, oficina de papel reciclado, marcenaria, cozinha comunitária, todas as poucas atividades culturais não dão conta do imenso problema social dos que vivem das embalagens, das cascas.
Talvez, poderíamos conceituar o problema do lixo como um problema de centralidade, de centro, produzida pelo humanismo e pela modernidade. Todas as intenções e tentativas sociais e políticas não vão adiante por um desconhecimento da natureza humana. É preciso descentralizar o super homem que nos tornamos, é preciso introduzir a alteridade no pensamento, é preciso filosofar as ciências com alteridade.
São poucos os que tem a sorte e a coragem de desligar-se do universo da reciclagem, da catação. Muitos já estão ali há mais de quinze anos, e já não sabem fazer outra coisa. Virou profissão institucionalizada, mas sem seus correspondentes direitos.
O que chamamos de “lixo seco”, na verdade em sua maioria, é pura embalagem, só embalagem, e não é necessário citar um por um. Não há quase nada nesse (i)mundo que não leve uma embalagem. O (i)mundo vem embalado.
Decididamente, o que alguns se referem como lixo seco, resíduos sólidos, ‘material’, -eufenismo pós moderno- deveria ser substituído por seu verdadeiro nome: embalagens. Mas o discurso globalizante desvia a verdadeira nomeação, borrifa com beleza, brilho e cor nossos olhos para não percebermos o sentido da embalagem, a embalagem como revelação do processo que coloca em crise o processo ilógico da economia transglobal que transporta tudo de um lugar a outro do mundo, desde salgadinhos, hamburgers até computadores.
Antigamente, o mundo se utllizava de poucas embalagens para as coisas, as coisas, os conteúdos ainda eram mais importantes que as poucas embalagens que a continham, e as poucas que existiam eram papeis, vidros, latas. As coisas eram destituídas de cascas artificiais, porque não necessitavam deslocar-se a grandes distancias, e nem precisávamos armazenar comida por longos períodos, o pão era fabricado na esquina, na padaria, a janela na marcenaria do seu Manuel, o sanduíche na própria lancheria, e o presunto vinha da fiambre ria, a laranja da laranjeira. A economia fazia parte de um lugar especifico, típico, era uma economia que poderíamos chamar de tópica, típica e apropriada ao lugar especifico, um espaço próximo do consumidor, onde as relações de produção das coisas e consumação era quase direta. O que não havia era a variedade, a imensa variedade de coisas e alimentos. Hoje comemos e já não sabemos de que lugar vem as coisas, nem mesmo as embalagens com suas minúsculas letras nos dão certeza disso.




2 DAS CASCAS E OUTRAS FUTILIDADES


A palavra lixo vem de lixívia, que quer dizer cinza. A coisa queimada, as coisas esgotadas de sua vida. Mas, curiosamente, esse lixo não é cinza e tampouco queima, ao contrario é colorido e embriaga nossos olhos. Um lixo tão colorido que o tempo já não consegue desbotar, suas embalagens já não estão só predestinadas a guardar o conteúdo, mas sobretudo a mensagem de suas embalagens, a crença da indestrutibilidade simbólica do homem, que se plasma nesses artefatos que levam centenas de anos para se degradarem. Hoje sua materialidade colorida, o rejeito mesmo daquilo que não é, e ainda não pode ser reciclado concorre com a imortalidade das pedras, das pirâmides. São como pedras artificiais, coloridas, perambulam pelo mundo afora na natureza, desde a beira da praia ao cume dos Andes.
É da natureza do lixo mesmo esparramar-se, dispersar-se pelo mundo afora, quase como uma metástase contaminando tudo por onde se deposita. É da natureza das sacolas de plásticos, voar, grudar-se, voltar a voar, flanar.
Fácil refletir sobre o lixo, difícil sobre os que trabalham sobre e sob ele. Para o conhecimento acadêmico é mais fácil tratá-los e conceituá-los como excluídos, explorados, do que realmente admitir a complexidade do fenômeno colocando esses catadores dentro de um novo discurso, onde o nome comum deva desaparecer para dar lugar a nomeação especifica do individuo, colocando e ao mesmo tempo revendo os discurso da economia, da sociologia, da antropologia, da psicologia. Muito do pensamento pós-estruturalista não dá conta da complexidade do fenômeno. É preciso colocar a miséria humana, o individuo dentro de um termo (baliza, marco) existencial da filosofia, de uma filosofia que se inaugura pelo outro, pela alteridade, de uma alteridade que as vezes desconhece o comum.
Pouco se conhece dos catadores, ainda que já se tenha escrito sobre eles, e se conheça bastante de sua função ‘catar’, mas para quem escreve e pensa sobre eles, entre uma linha e outra estará o paradoxo da representação. Entre um representar e um não representar, ou entre um representando sem representar.
O triste da história é que não há ‘catarse’ no fim da catação. O cessar da catação será o abandono de muitas vidas.
A gestão dos galpões, estão associadas a auto-gestão, cooperativismo, associações, todas elas muito próximas as antigas idéias anarquistas, posta em pratica. Mas, nela vemos que essas relações políticas ideológicas, todas elas, passam pela vida do cotidiano, a vida extra catação, passa pela microfísica do cotidiano,e pela ordem do desejo, para remeter a Foucault e a Deleuze. A lógica de produção e distribuição, a partilha esta constituída e contaminada pelas relações pessoais, todos os aspectos positivos que poderiam simplesmente chamar de: a vida. Mas o que essas formas econômicas (associação, cooperativas, coletivos) demonstram, é que, também existe o autoritarismo e as formas de dominação nesses pequenos grupos de trabalho. Há claramente em cada Associação um desejo de permanência dos coordenadores na presidência, para isso, muitas vezes, utilizam-se de estratégias menores, mas eficazes como: domínio da contabilidade para fazer a partilha, troca de favores e favorecimento, domínio da retórica para tratar com parceiros, municipalidade, ONG‘s, capacidade de deslocar-se e transitar em outras esferas, privilégios com vizinhos.
Diante desses coletivos surge, como uma resposta ou alternativa, a idéia de herança, de uma transmissibilidade de um patrimônio não necessariamente econômico. Mas o lixo não pode se constituir como herança, ou pelo menos não se deseja. Nos galpões de reciclagem existe uma certa rotatividade de seus associados, que impede muitas vezes uma continuidade nos trabalhos constituintes. Distante está a idéia de um trabalho para o ‘outro’ que está para chegar, distante deles está o sentido do ‘para o outro’, para o meus filhos, dos que estão para vir. Nada diferente da própria sociedade produtivista, que tem seu acento da efemeridade dos valores, das essências, dos conteúdos, de uma sociedade que tem seus maiores valores no que está por fora.
Não há nada de profético ou angelical nos cataflores. Os catadores não são profetas, e se algum dia o foram, hoje não são mais, multiplicaram-se pelas ruas, e já não chamam a atenção e não tem nada mais para profetizar ou dizer, a não ser a reiteração da miséria a que chegaram. Não anunciam nada mais que não seja a obviedade descarada. No inicio era novidade, agora já não queremos ver, incorporamos, nos cegamos a eles, já estão dentro da ordem, e até achamos que fazem um trabalho honroso ao limparem os dejetos que produzimos e jogamos fora. Se algo pode ainda falar é seu silencio na solidão de seus carrinhos, se algo grita mais forte, hoje sobre a sociedade, é a violência que se despeja nela por seu descuido com o outro. Seja esse outro próximo ou distante. Se algo impede essa pobreza ‘desloucante’ com seus manchados e sujos carrinhos de marchar sobre os poderes soberanos, é por se travou um pacto entre lixo presente e não violência, entre trabalho e ecológico e submissão a lógica produtivista.
A lógica da compreensão dos catadores é a mesma lógica plural e diversificada que esta disseminada na lógica social capitalista de ascensão ao mais superficial. A trajetória é o consumismo, e não mais o comunismo, como idéia inequívoca de felicidade como consumação de alguma coisa, e ao mesmo tempo também de uma infelicidade produzidos pelas fantasias contemporâneas da televisão, do cinema, da internet e todas as comunicações.
As vezes me pergunto, qual o sentido de um saco plástico? Qual o sentido de uma embalagem de bolachinha? Como posso recusar uma embalagem?
Porque devo ensacar o já embalado? O saco do saco.
A vida embalada, em latada.
Nesses tempos muitas pessoas já se confundem com o lixo, e não são os catadores que nos chamam a a atenção, mas há um forte cheiro de apodrecimento generalizado da sociedade. Não é o lixo que esta apodrecendo, de um modo geral, é o homem, é sua natureza que ao se artificializar, ao habituar-se com as próteses esta também tornando-se refugo, superficialidade, esta virando imagem, está se chapando, perdendo seus sentidos mais profundos. A vida se tornou embalada, se deslocou da profundidade para a superfície, se tornou exposta, descascada, controlada, monitorada. Uma estranha paranóia sugere que para o controle dos corpos era necessário mesmo uma superficialização do ser, um vir-a-ser imagem, um deslocamento do conteúdo para a superfície, provocando muitas vezes um sentido de esvaziamento.
Nos embalamos de diversas modos através de mascaras e carcaças, de superficialidades e violência, drogas, filmes, musicas. Parece, que já somos impotentes para conseguimos encontrar um sentido para vida a não ser o trabalho, e mais trabalho. Embalamos tudo com cores, formas e texturas brilhantes, coloridas, brancas, claras, fotogênicas, e assim vamos vendendo a vida, nos cobrindo de peles produzidas pela sociedade de consumo/produtivista quase como mercadorias. Já não somos o que somos, somos desperdícios perdidos, como disse Manuel de Barros em O catador de desperdício
“Só o poeta encontra beleza no lixo.”