07/10/2008

Profetas da Ecologia
Relatos de uma experiência

Visita para conversar com o Irmão Antonio Cechin

dia 09.06.2006, sexta feira, dia da abertura da Copa da Alemanha

por Bruno Euphrasio de Mello


Havia marcado o encontro com o Irmão Antonio Cechin através do Pedro.
Na terça feira passada, ao conversar com Pedro no galpão de reciclagem “Profetas da Ecologia 1” comentei com ele de meu interesse em conhecer o Irmão, por ser um personagem importante na abertura de uma serie de galpões de reciclagem na cidade de Porto Alegre. Combinamos que ele marcaria o encontro e me avisaria.
Na sexta, conforme combinado, fui ao encontro de Pedro na porta do prédio do Irmão, no Centro da cidade. Esperei pouco tempo na rua e ele logo chegou. Me cumprimentou e disse que estava com medo de eu não ir ao encontro por conta do inicio da copa. O irmão havia ligado pra ele achando que eu não iria pois o encontro havia sido marcado para o horário do primeiro jogo da copa. “Essa juventude, sabe como é...” teria dito o irmão à Pedro.
Subimos ao seu andar e fomos recebidos, à porta, por sua irmã, Matilde, que nos pediu que esperássemos, pois o Irmão Antonio estava descansando. Encaminhou-nos para uma saleta a frente da cozinha (daquelas abertas separadas da sala por um balcão e prateleiras vazadas). Na verdade, Pedro seguiu direto para esse espaço social da casa, eu só o segui. Sentamos numa grande mesa de madeira, enfeitando a sala 3 relógios cucos, um outro relógio de parede que, ao invés de tocar, piava. Havia também quadros com gravuras pintadas em papel. Belíssimos desenhos. Acima do centro da mesa um lustre rendado. A luz de fora entrava pela janela da sala e era filtrada pela cortina, o que fazia a sala ficar amarelada.
Enquanto esperávamos a chegada do Irmão Antonio Cechin, Pedro me refez o convite que havia feito na terça, de participar duma pedalada que passaria por uma serie de cidade do estado, na data da morte de Sepé Tiaraju, relembrando seus últimos passos. Há uma importância político-ideologica nessa atividade, que é, ao refazer os passos desse personagem visto por ele como um herói popular, como um símbolo de resistência, fazer com que as populações mais pobres se apropriem desse mártir, conheçam sua historia. A idéia tem relação com a luta dos movimentos pela terra no sul do estado, contrapondo-se às grandes propriedades rurais da região.
O irmão chegou caminhando com vagar. Deve ter uns 80 anos de idade. Me levantei e, ao cumprimenta-lo disse: “Como vai o senhor?” De pronto ele me respondeu: “Senhor não, me chame por tu, você, mas senhor não.” Cumprimentou com um aperto de mão também Pedro e puxou uma cadeira da cozinha para se sentar.
Pedro me apresentou, contou brevemente de minha viagem de bicicleta pelo estado, e disse que me levou ao encontro com o Irmão, atendendo ao meu pedido, por detectar em mim uma sensibilidade popular muito preciosa. Trocou ainda mais duas ou três palavras com o Irmão e disse que partiria. Ele já tinha me dito que não queria ficar na conversa, que tinha outras tarefas a realizar no dia. Não adiantou nem a insistência do irmão para que Pedro ficasse, ele mau nos apresentou, partiu.
Ficamos então sozinhos, eu e o Irmão Antonio. Disse pra ele do que se tratava o trabalho e o perguntei se havia problema em anotar a conversa. Ele me disse que não havia problema, que sua vida era um livro aberto. Conversamos por umas 2hs. Terminamos a conversa no meio pois ele tinha um compromisso marcado. Durante toda a conversa sua irmã só apareceu uma vez pra procurar a lista telefônica.
A conversa foi cronologicamente caótica. Não consegui estabelecer uma linha de sucessão de acontecimentos com clareza. E por não conhecer bem o Irmão resolvi não interrompê-lo durante seu relato.
Irmão Antonio Cechin é marista, tem uma relação muito forte com a teologia da libertação, participou de uma serie de organizações jovens relacionadas à Igreja – JAC, JEC, JIC, JOC, JUC. Ele me disse o significado de todas essas siglas mas não consegui anotar todas e não quis pausar a conversa para anotar. Me lembro da JEC (juventude estudantil católica), JOC (juventude operaria católica). As outras só mudam a palavra do meio.
Falou da importância dos ideais de Dom Hélder Câmara, de Paulo Freire e a pedagogia do oprimido, do método das palavras geradoras, da alfabetização baseada no cotidiano e nos problemas corriqueiros do povo. Foi incisivo ao dizer que o oprimido introjetou os valores do opressor e esse método de alfabetização ia contra essa tendência. Relatou o contato que teve com um método criado pela juventude francesa (ou utilizada por ela) chamada movimento de educação de base. Suas três palavras fundamentais eram VER, JULGAR, AGIR. Tendo ele destacado o ver, o ato de se debruçar reflexivamente sobre a realidade.
Me contou sobre um método de analise da realidade, acho que baseado nesse movimento, não sei ao certo, que tem uma conexão com o Marxismo. Uma coisa um pouco confusa pro meu entendimento, com nomes de autores e teóricos estrangeiros que eu não consegui entender bem e acho que mesmo se entendesse não iria saber escrever.
Irmão Cechin sofreu represarias por parte dos religiosos que participavam de seu circulo de amizades ou de atividades eclesiásticas, sendo acusado de comunista, de ter esquecido Deus, de não rezar mais. Nesse período trabalhava na PUC e por conta dessas acusações não foi mais recebido pelos irmãos maristas e se afastou (ou foi afastado) da universidade.
Me disse que a ditadura alienou o povo. Que tinha boas relações com a juventude guerrilheira do período de exceção, que tinha ligação com os frades dominicanos. Via, nesse período, a importância de evangelizar a partir do ponto de vista dos vencidos.
Após sua prisão, no período pos golpe de 64, passa a organizar sua vida em função da periferia e dos pobres. Pelo ano de 1975 vai morar em Canoas, na periferia, e lá organiza ocupações da população que veio do interior pra trabalhar no pólo industrial de canoas e morava em malocas e barracos. Todos esse movimentos que realizou de 75 até 85, período em que morou em Canoas, tem relação com “luta pela moradia, saúde, educação, alimentação.”
Realizou trabalho também nas comunidades eclesiásticas de base, organizando comunidades, para mudar a realidade dos bairros.
No meio da conversa começou a falar dos padres Jesuítas saídos das reduções de Assunção, no Paraguai, dos índios reduzidos, se defendendo dos bandeirantes, da criação dos 7 povos das missões. E, pouco depois, ao falar de sua experiência com os catadores da ilha grande dos marinheiros a partir do trabalho da irmã belgo-francesa Mari, que trabalhava com os ilhéus fazendo artesanato, disse que o sonho desta irmã era criar uma “aldeia de artesãos”.
Em 1985, ao sair de canoas onde só trabalhava com operários, foi trabalhar na Ilha Grande do Marinheiros, organizando o “primeiro coletivo”. Sua idéia era, em suas palavras, radicalizar o trabalho com a parcela mais pobre da população, nesse caso os catadores da Ilha. Segundo Irmão Antonio, o pessoal da ilha era do interior e decaiu demais socialmente ao chegar por lá, ficando na extrema miséria. Vinham de lá para Porto Alegre catar lixo, principalmente comida. O lixo que mais interessava eram os restos de restaurante. Na ilha criavam porcos para vender em Porto Alegre no fim do ano. “Eram o resguardo dos Ilhéus.”
Montaram o galpão na ilha. Demoraram três meses para fazer o pessoal sair do chão e começar a separar o lixo na mesa. Ele via seu trabalho como uma contracultura no meio da miséria. No meio daquelas pessoas onde havia roubo, cachaça, sexo, AIDS.
Iniciaram o trabalho com dez famílias. Trabalho que, em seu entendimento, fracassou. As pessoas não mudavam de vida, não se organizavam dentro de seus pressupostos. Muitas vezes ele ficou até tarde da noite no galpão para pesar o material triado. Muitos que ali trabalhavam usavam meios desonestos para aumentar sua renda, na pesagem. Colocavam pedra no meio do plástico pra pesar mais, ,olhavam papel e papelão pra pesar mais. No fim, ninguém queria mais comprar material deles. “Não vingava”. Acabaram devendo mais do que tendo lucro.
O irmão então resolveu fechar o galpão. Ao comunicar os trabalhadores da Ilha que pretendia fecha-lo, ameaçaram atear fogo no galpão. O irmão relatou momentos que roubaram seu carro. “Fomos aprendendo a lidar com eles na base da porrada.”
Disse que lá “as crianças são ensinadas a roubar desde cedo, como forma de defesa”. Disse também que o Profetas da Ecologia 2 “só acertou com o Pedro lá. Já Imaginou 20 moradores de rua morando juntos o que não dá de confusão? Relacionando após essa confusão ao roubo, ao uso de drogas, á briga, à devassidão.
Relatou que quem primeiro viu valor no lixo foi o pobre. Que hoje lixo é fortuna, fonte de riqueza.
Para o Irmão, o segredo do trabalho no lixo e com os catadores é a riqueza das relações entre catadores e os produtores de lixo, trabalhando ecologicamente na separação do lixo. Contou as relações inter-pessoais dos que iam à igreja levando seu lixo separado feliz da vida por estar ajudando o catador, gente de classe media com lixo limpo, roupas para das aos catadores. A felicidade dos produtores do lixo favorecendo uma família que vai, a partir dessa dádiva, sobreviver.
Disse ainda que a administração do PT estragou tudo porque acabou com essa relação inter-pessoal entre “catadores” e “produtores”. O DMLU puxou para si a coleta seletiva e, desde então, “a coleta seletiva que tinha uma rica relação inter-pessoal foi pro beleleu.”
Na administração do PT é chamado pra organizar a questão dos galpões de reciclagem de lixo na cidade e, com um dinheiro que ele buscou através de uma igreja na Alemanha, construiu três galpões. Em suas palavras “construí três galpões com o dinheiro que só dava pra fazer um.” 1 na ilha dos marinheiros, 1 na vila dique (Santíssima Trindade) e um no Rubem Berta.
Durante toda a conversa sempre fez questão de salientar que prioriza o trabalho com “os pobres e os mais abandonados”. Sempre buscando “educar o povo, fazer o coletivo”.
Perguntei-o sobre a experiência no “Profetas da Ecologia 1”.
Após as experiências com os outros espaços de triagem de lixo, resolve organizar os carrinheiros. Descobriu um sujeito que dizia ter uma associação de catadores, com quem ele fez um pacto pra criar o Profetas 1. Combinou com esse sujeito que ele deveria arrumar 20 carrinheiros e o Irmão arrumaria 20 carrinhos pro pessoal trabalhar através de um conhecido que era Diretor do Banrisul e da Caixa Econômica.
Nesse espaço onde hoje está o “Profetas da Ecologia 1” ficava a Vila Tripa. As 60 famílias que moravam ali foram transferidas para o Rubem Berta, e, tendo ficado vago o espaço, ele resolveu ocupar com esse grupo de carrinheiros para montar o Galpão. Por ter relações com o Tarso e com outras pessoas influentes da prefeitura, ocupou o terreno e no primeiro dia fez uma maloca. No segundo dia aparece uma ordem de desocupação do terreno, mas, tendo acionado seus contatos influentes, há a suspensão da ordem de reintegração de posse e ele consegue fazer a partir de um convenio com a prefeitura, a construção do galpão que hoje está lá.
Profetas da Ecologia
Relatos de uma experência

Após a oficina de mosaico no galpão

por Bruno Euphrasio de Mello

Não me lembro exatamente a data, mas, certo dia, levei um tampo de madeira redondo revestido com um mosaico que havia feito alguns anos atrás, antes de vir para o Rio Grande do Sul, para presentear o pessoal do galpão. Queria mostrar pra eles o tipo de trabalho que pretendíamos realizar nos banheiros e fazer uma simpatia. A bandeja foi usada para apoiar os copos virados de boca para baixo na cozinha.
Dona Vera, mãe do Rodrigo, que naquele período trabalhava fazendo o almoço para os trabalhadores do galpão, ficou encantada com a bandeja. Não parava de elogiá-la. Dias depois me chamou e perguntou se eu poderia fazer uma bandeja como aquela para ela, com um desenho, símbolo de seu signo, gêmeos, que ela havia guardado a algum tempo. Não pensei duas vezes e disse que não havia problema. Ela ficou de me passar o desenho noutro dia. Relatei esse pedido ao professor e ele me propôs fazer-mos diferente. Poderíamos, ao invés de fazer um presente especifico para uma pessoa especifica realizar uma oficina aos interessados. Assim todos teriam o seu mosaico, fruto de seu próprio esforço e dedicaçõa. Essa oficina também serviria para que a turma do galpão pudesse ter contato com o trabalho que se iniciava nos banheiros. Quem sabe o pessoal não se anima a fazer mosaicos e participa do processo de melhoria dos espaços do galpão, que se iniciava com a fixação dos cacos no banheiro? Ou, mais utopicamente, quem sabe o mosaico não se transforma numa alternativa de renda ao lixo, e o pessoal sai desse trabalho? Eram expectativas que passavam pelas nossas cabeças.
O professor me passou a responsabilidade de ligar para Eliane, responsável pelo galpão, para dizer-lhe essa historia do pedido de Dona Vera e que preferíamos fazer a tal oficina. Ela ficou de marcar essa atividade numa reunião do galpão.
O dia marcado foi um sábado. Eu e o professor nos responsabilizamos por levar o material para a oficina (cacos de azulejos, cola, papel, lápis para o desenho das formas do mosaico) e a lasanha para o almoço e eles em aparecer no dia combinado.
Foram umas dez pessoas das vinte e poucas que trabalham no Profetas. Principalmente os mais novos de idade entre 16 e 20 anos. Fizemos os trabalhos, uns com mais facilidade e empenho do que outros. Almoçamos e continuamos brevemente à tarde a finalização dos mosaicos. Uns levaram suas pequenas placas de madeira com mosaico para casa, outros as deixaram por lá. Quando a maioria das pessoas tinha ido embora, por pedido de Dona Vera, fomos arrumando as mesas, juntando os cacos e os materiais de trabalho quando chega uma mulher na porta do galpão. Dona Vera se dirige à ela, troca algumas palavras e chama Rodrigo, seu filho, que andava noutro lugar do galpão. Rodrigo chegou, e nós, eu e o professor, arrumando as coisas. Sentou-se numa cadeira, no meio de fardos de papel, papelão, garrafas plásticas e sacolas de lixo à espera de separação no inicio da próxima semana, enquanto essa tal mulher preparava seu material de trabalho. Cansado, Rodrigo adormeceu ao fim da tarde, sentado naquela cadeira, entre fardos e sacolas, com uma das mãos dentro de um pote com água morna e com essa tal mulher, manicure e pedicure, fazendo, com zelo, seu pé e sua mão. Dona Vera acompanhava de perto esse trabalho, como que fiscalizando a qualidade da tarefa.






Profetas da Ecologia
Relatos de uma experiência
Dia 11 de setembro de 2006


por Camila Bernadelli
estudante de arquitetura. UFRGS

Hoje tínhamos marcado uma reunião no profetas para acertarmos sobre a festa do dia 27/09. Fomos eu e o Yan.
Chegamos no galpão, e a reunião já tinha começado, mas quando entramos na sala onde acontecia a reunião, percebemos que o assunto não era a festa.
Estavam presentes na reunião: a Eliane, o Tio Gaudério, a Rose, a irmã da Rose (que não me recordo o nome), a Cíntia, a Ibrair e a Nair (estes do Profetas), o Pedro, o Leonardo do Camp, a Prof Martina da Uniritter, e eu e o Yan da UFRGS.
Entendemos então que o assunto era a relação do pessoal do galpão com a Oficina de Papel Reciclado.
A Prof Martina estava se justificando, dizendo que a produção ainda não estava 100% porque o pessoal não podia treinar tanto quanto ela gostaria, por causa do trabalho com a triagem e as constantes reuniões que vinham acontecendo com o grupo, devido problemas internos, que os equipamentos não estavam 100%, que a prensa ainda não tinha voltado de São Paulo do conserto, (porém a prensa da Ritter estava “quebrando o galho”). Disse também que o trabalho com o papel requer uma certa prática, mas que não era nenhum monstro, que logo, logo, estariam fazendo papéis tão bonitos quanto o do pessoal que havia feito um curso anterior com a professora (material este que ela carrega em uma pasta pra divulgação do trabalho da reciclagem do papel, que fez questão que passássemos e olhássemos novamente), que não havia problema algum em ser mais velho, que aprenderiam igual a qualquer outra pessoa.
O pessoal então sugeriu que se buscassem então pessoas de fora do galpão para participar, que se trouxessem seus familiares e amigos que estivessem interessados. O Pedro sugeriu o que havia sido levantado em uma reunião anterior de que se conseguisse um “fundo” que bancasse algum ou alguns dos trabalhadores que quisessem se aperfeiçoar e quem sabe até encabeçar e organizar a empresa de Reciclagem de Papel. Mas pelo que sentimos a Martina não gostou muito e voltou a insistir no aperfeiçoamento de todos.
Aí a Eliane começou a explicar qual era a situação real com o pessoal do galpão. Eles haviam conversado e além de a partilha ter baixado, havia alguns problemas de espaço físico e também pessoas que realmente não estavam gostando e não queriam continuar a ir pra oficina, porque achavam que não levavam jeito, ou porque se acahvam velhos demais pra aprender, ou porque simplesmente não queriam. Ela pediu então pro pessoal da coordenação do galpão que estava ali falar o que todos já tinham dito, mas que não queriam falar na frente da Prof. Martina, foi quando a Ibrair começou a falar:
“Pra mim isso é coisa pro pessoal mais novo, eu não tenho paciência e nem delicadeza pra fazer isso. Meu marido é inválido, não pode trabalhar, eu é que tenho que sustentar a casa. Eu gosto do que eu faço, gosto de “puxar o lixo”, arrastar bags, é isso que eu sei fazer, eu não tenho delicadeza pra fazer papel.”
Vejo na Ibrair uma mulher sincera, simpática, sempre sorridente, forte com traços fortes, faz o trabalho dos homens, o que a torna uma exceção nos galpões. Ela trabalha arrastando lixo, pegando peso, levantando e abaixando, levantando e abaixando, levantando e abaixando o dia todo. Talvez a Ibrair quando assumiu sua casa, assumiu ser o homem e a mulher, mulher guerreira e pra isso sentiu a necessidade de deixar a delicadeza e feminilidade de lado, num mundo onde elas não têm vez! Ela diz que se sente exausta e ainda por cima suja, e talvez nem se sinta repugnada nesta situação, talvez assim se sinta até mais forte do que outras mulheres pelo fato de sustentar o marido, faz o trabalho de homem no galpão e em casa!
Os outros só diziam a mesma coisa, ou que se sentiam muito velhos, ou sem paciência ou simplesmente não queriam.
Começou-se então a discutir novamente o fato de se ter pelo menos uma pessoa do grupo que quisesse se empenhar mais, mas a Martina colocou que então fossem pelo menos duas pessoas, porque senão um só dominando tudo é complicado, todos concordaram, mas teríamos então que buscar quem pudesse pagar estes dois trabalhadores para que eles pudessem encarar integralmente.
Como estavam discutindo que teria duas pessoas, perguntei para a Cíntia (que era a minha principal esperança, para a oficina de papel – afinal a Eliane já havia me relatado que a Cíntia tinha gostado)se ela achava que se pudesse receber o mesmo que na partilha para fazer o papel, se havia alguém que ela sabia, que gostaria então de ficar. Ela respondeu: “Olha é de se perguntar de novo, mas o que eu to sabendo é que ninguém quer, nem com dinheiro!”.
Então passei isso para o grupo, se sugeriu então que o pessoal que se formou no curso do consórcio da juventude se apropriasse do espaço então, que o grupo que deu certo, ficaria na oficina e já poderiam estar produzindo.
A Prof. Martina ainda insistiu algumas vezes, mas sem sucesso!
A reunião então se encaminhou mais ou menos assim, tentaríamos trazer pessoas das famílias dos trabalhadores e o pessoal do consórcio da juventude.






Profetas da Ecologia
Relatos de uma experiência
Reunião quinta feira, dia 19 de outubro de 2006.

por Bruno Euphrasio de Mello,
estudante de arquitetura, UFRGS


Fomos convidados para uma reunião no Profetas que trataria do relato do desfecho da busca de recursos junto à Caritas para a construção da gaiola para receber o lixo que chega pelo DMLU, para acondiciona-lo de maneira mais adequada, que não fique pelo chão tomando chuva e perdendo valor comercial. A noticia que tínhamos era que o recurso seria liberado, o que faria com que nós tivéssemos de retomar o projeto da gaiola, refinando-o, detalhando-o e realizando um orçamento mais preciso.
Ao chegarmos conversamos com os dois rapazes que foram transferidos por Pedro do Profetas II para o I. Eles participaram de oficinas da Semana Acadêmica da Faculdade de Arquitetura e nos dispusemos a realizar algo parecido com a oficina com material reciclável para os trabalhadores da Associação caso eles tivessem interesse. A conversa foi breve e logo fomos para a reunião na salinha do segundo andar do antigo galpão. Seu Galdério trabalhava na prensa, Eliane na oficina de papel. Entramos e subimos rápido para a reunião. Estiveram presentes nela, em roda, e nessa ordem, Ezequiel, Camila, eu, Nair, Rodrigo, Maninho 01, Maninho 02, Cíntia, Leonardo do CAMP, Marcelo estudante de arquitetura que aproximou-se dos trabalhos do profetas da ecologia a partir das apresentações que fizemos no DAFA e Fernanda.
Leonardo iniciou o encontro explicando o que é a Caritas – instituição da igreja católica que financia e apóia pequenos projetos – e relatando o processo de pedido do recurso. Disse que na semana passada o projeto havia sido aprovado e que em breve os três mil reais seriam liberados. Contou-nos que o projeto fora classificado como projeto de geração de renda, o que acarretava na obrigatoriedade da Associação ter de devolver trinta por cento do valor cedido em três anos. Ainda, como o CAMP responsabilizou-se por acompanhar o processo de trabalho junto à Associação, a Caritas eximir-se-ia de acompanhar os desdobramentos da injeção daquele montante. O CAMP fará o repasse. Há ainda disponível os dois mil e quinhentos reais que a Prefeitura Municipal repassa mensalmente à Associação, depositando o recurso na conta do Irmão Antonio Cechin, responsável legalmente pela movimentação financeira, que pode auxiliar nos trabalhos de readequação do local.
Passamos a discutir então nossos prazos de entrega do projeto da gaiola finalizado e listagem de demais demandas da Associação referentes ao local. A lista era grande. Instalação elétrica, vazamentos, reforma de banheiros. Todavia era consenso de que a prioridade era a construção da gaiola. Achei o grupo da coordenação mais falante, mais participativo, principalmente os dois novos e Nair. Um desses novos membros transferidos do Profetas II sentenciava com segurança. “Trabalhamos com o tempo, nossa hora de trabalho é valiosa. Não podemos perder mais tempo arrastando o bag lá da frente até a prensa lá no outro galpão. Quanto mais pudermos economizar de tempo e esforço maior será nosso lucro.”
Depois dessa reunião fomos retomar os trabalhos nos banheiros. Foi aí que vi pela primeira vez que é o atravessador. Antes só via os caminhões indo buscar o material separado. Junto com os caminhões que embarcavam os materiais dos bags e os poucos fardos de material prensado ele chegou de vectra. Sempre pensei que ele tivesse um fusca e fosse quase tão pobre quanto os trabalhadores da triagem. Acho que me enganei. Ou talvez não. Quem vê carro não vê coração.








Profetas da Ecologia
Relatos de uma experiència

Meus trabalhos no Profetas (2006)
por Fernanda Antonio
estudante de arquitetura. UFRGS


- Mosaico no banheiro (parte de rejunte e limpeza). - Colocação de azulejos na cozinha. - Contatos para conseguir doações lajotas e azulejos. - Cobertura da laje dos banheiros com lona. - Atividades ligadas às instalações elétricas.

Minha primeira impressão chegando ao galpão foi realmente boa. Um local aparentemente degradado, onde as pessoas trabalham em condições insalubres, mas onde encontrei, em meio a tanto lixo, um cantinho de arte, um pedaço de esperança. Logo em seguida percebi que para realizar qualquer melhora no local é necessário um esforço imenso, tanto por falta de materiais, equipamentos, quanto por falta de experiência. Mas o trabalho ali é muito gratificante, a experiência e a vivência que se tem no nosso canteiro de obras são únicas.
Achei legal quando numa tarde chegaram duas meninas que trabalham no lixo para rejuntar o banheiro. Tive a oportunidade de (tentar) explicar algo pra elas fiquei feliz com o interesse delas. Gostaria que essas trocas acontecessem mais frequentemente. Um problema que noto no nosso trabalho é que muitas vezes, por falta de planejamento, os resultados obtidos não são tão bons quanto poderiam ser. Por exemplo, quando estávamos colocando os azulejos na cozinha, perdemos muito tempo fazendo um mosaico ao redor das torneiras e não ficou bom. Se tivéssemos esperado um pouco mais, teríamos feito da maneira adequada (colocar a lajota inteira) logo no início. O mesmo foi com o mosaico, passamos muito tempo limpando camadas grossas de rejunte porque em algumas partes não se limpou o rejunte na hora adequada. Acho que seria bem útil pesquisar um pouco mais sobre as técnicas a serem utilizadas (quando houver dúvida) para que se evitem erros assim. Acho que são pequenos detalhes que acabam economizando trabalho e material. Acho que a parte de fazer os contatos com lojas pra conseguir doações de lajotas foi bem legal porque até onde foi, funcionou bem. Também me senti bem porque a impressão que tive foi de que o Fuão gostou! Ah, já estou organizando o material pra entrar em contato com outras lojas, e vou mandar assim que estiver com internet na minha casa (em uns 15 dias). Com relação às instalações elétricas, bom, me senti muito mal por ter deixado a Camila sozinha nessa etapa tão difícil, embora tivesse avisado que tinha uma viagem marcada. Na parte da qual participei me senti meio inútil, já que não tenho conhecimentos sobre instalações elétricas, aí eu realmente não sabia fazer muitas coisas, também não sabia bem o que fazer.