05/10/2008

CATADOR

GLADYS NEVES


Catador
Cata a dor dos outros
Cata o lixo dos outros
Cata o odor do mundo
Cata pra comer
até impregnar seu corpo,
feito uma tatuagem,
numa collage viva
feito uma inimage
descola a imagem do catador
que perambula pelas ruas de Porto Alegre
e decola com alegria para as ruas de Paris.
Seu nome é Antonio,
Quem cata a sua dor?
Pelas frestas da Vila
Te vejo transformando o meu lixo
No teto do teu barraco
Como sinal de resistência e marginalidade que lhe é imposta.
Nesta ciranda de catar, rasgar, amassar,
Dá-se o milagre
O milagre da transfiguração
Cansados, mais uma vez transformam o lixo,
Reciclando a própria vida.
andando pela margem do rio,
pela borda,
entre carros e buzinas
levam no corpo, o avesso da cidade.
catador, quando sofrerás o “corte que os corpos ficam livres”,
se ainda não te reconhecem e nem te aproprias da nudez que representa a tua “falsa pele”?
entre quilos de pets, latas, papéis, vidros
acumulam no final do dia apenas uma grama de esperança...
jogam como “parangolés” e gingam com a estética.
Nos penetráveis labirintos de suas casas
guardam objetos recolhidos no dia
“apesar de fazerem noite no mesmo refúgio”
neste encontro amoroso dão um novo sentido ao sem sentido.
contradição
vila, chocolate,
justiça, poder
leão, formigas
lixo, leis, papéis, processos,
restos, desperdício, abandono,
excluídos, poderosos, vassalos, senhor feudal,
dinheiro, droga, prostituição,
ordem, desordem,
limite da vida e da sobre-vida
vergonha, orgulho,esperança, violência, tristeza,
desemprego, trabalho, degradação ambiental, degradação humana...
oh lixo indesejado, tão desejado pelos catadores!