10/08/2016

Uma reflexão sobre a atual situação dos galpões de reciclagem em Porto Alegre e sua história, na perspectiva de contribuir no debate do papel do agente público, nestes tempos de implementação da PNRS(Política Nacional dos Resíduos Sólidos)


 A desconstituição  (1)

PEDRO FIGUEIREDO
                                                         
O lançamento do curta “Ilhas das Flores” do cineasta Jorge Furtado[i] no fim da década de 80, foi a expressão de um trabalho de  ecologistas pioneiros e também de militantes dos movimentos sociais, que  lutavam na tarefa  de despertar a classe média, no sentido de serem responsáveis pelos resíduos que  produziam, e suas atuações tinha com meta atingir escolas privadas, igrejas e empresários socialmente responsáveis. Esta tarefa assentou-se em dois princípios: se por um lado pautava as questões ecológicas emergentes, por outra, colocava-se a questão da inclusão social de centenas de trabalhadores, que por décadas faziam do lixo sua forma de sobrevivência na periferia da capital. O pioneirismo na Coleta Seletiva em Porto Alegre, não se deu por obra e graças de um administrador que ganhava as eleições naquele longínquo 1989. A Coleta Seletiva no município, foi implantada como Política Pública, por pressão de uma base social organizada, articulando diversos setores dos movimentos sociais, que iam desde os movimentos ambientalistas  e seus matizes,  às pequenas e múltiplas alternativas autogestionária de trabalho e renda, que brotavam diante do desemprego estrutural daquele período.
Essa base social organizada é caudatária de uma cultura democrática e participativa dos movimentos sociais que emergiram da luta pelo fim da ditadura militar. É nesse contexto que o conjunto dos movimentos sociais acumularam forças para eleger uma proposta de administração pública comprometida com seus anseios e esperanças.  E, foi a partir deste capital social acumulado,  na base do tecido social que a capital gaúcha começou a exportar ao mundo as experiências exitosas de gestão participativa; o Orçamento Participativo pesquisado e tomado como referência por inúmeros países e cidades do mundo, na verdade representou, o desaguadouro de múltiplas experiências de participação cidadã, encubadas aos longos de quase  quatro décadas na capital.
Não podemos deixar de lado nesta história também  as múltiplas e exitosas experiências participativas por meio da cultura cooperativista , implementada por décadas a fio em  várias regiões do interior gaúcho, principalmente nas regiões de colonização alemã e italiana, sem deixar de fora “o pucherão”  da cultura guaranítica.  A expulsão do campo de milhares de sem terras e pequenos agricultores, que deu forma  a periferia da capital, e com eles  e elas, também  veio o caldo cultural da participação democrática por meio do mutirão, da colaboração, enfim do associativismo. As Associações de catadores a partir da década de 80 nascem justamente dentro dessa  construção de  lutas por trabalho, liberdade, democracia e participação cidadã no campo e nas cidades.
Hoje, essa experiência acumulada por mais de 25 anos nas Associações e Cooperativas de Catadores de Porto Alegre, está sob grave risco de desconstituição. A incompetência do atual  gestor público, coloca em risco o sistema da Coleta Seletiva  e  principalmente as Associações e a experiência inédita da autogestão no setor da reciclagem. Com material de péssima qualidade e em quantidades muito aquém do necessário, os associados ou cooperados destes inúmeros empreendimentos,  buscam novas formas de sobrevivência, abandonando suas organizações constituídas ao longo de anos, por ter sido tirado deles a matéria prima básica de seu sustento, fragilizando-as e comprometendo de forma irremediável a história cultural da auto gestão de Porto Alegre.
Para justificar uma pseudo  incompetência das associações e cooperativas, que ao longo dos anos protagonizaram a fina articulação entre sobrevivência, democracia e sustentabilidade ambiental,  o poder público optou pela autoritária  intervenção nas Unidades , plantando “técnicos” de formação duvidosa,  apropriando-se de  saberes  acumulados em décadas de experimentos, colocando sob seu mando e comando. As cooperativas e Associações sem muitas alternativas, visto que para sua sobrevivência dependem do material que lhes é fornecido pela prefeitura,  foram forçadas a aceitar a entrada desses técnicos, lançando as associações e suas lideranças num jogo competitivo entre si, por meio da divulgação de rankings produtivos das organizações.  Em pouco mais de um ano legando ao ostracismo parceiros antigos,  educadores sociais  e livres colaboradores.  Deliberadamente ou não, o investimento público do BNDS – nunca se investiu tanto no setor – que viria para ajudar os recicladores, tornou-se o instrumento de desagregação interna das entidades, fragilizando a articulação entre elas e suas lideranças.
Em tempos de implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, -  onde muitos municípios do estado, como Canoas, Viamão, São Leopoldo, Gravatai e outros,  que optaram pela Contratação  de Prestação de Serviço das associações e cooperativas para coleta e serviços de limpeza das cidades,  Porto Alegre e seus gestores por incompetência ou má fé, caminham no sentido oposto,  assumindo  a rota  da desconstrução da histórica cultura autogestionária em nosso estado,  perdendo assim a oportunidade do  rompimento  com a lógica viciada e perversa dos grandes  contratos, alicerçados na corrupção e na malversação dos recursos públicos.  

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Pedro Figueiredo – Educador popular. Desde o ano de 2000, integrado na constituição e assessoria de associações e cooperativas de catadores de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul.




[i] https://youtu.be/e7sD6mdXUyg   

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