10/09/2014

ENTREVISTA PARA VIVIANE ZERLOTINI

Fernando fuão




Quando comecei a trabalhar com os recicladores, na qualidade de professor, apenas pensei numa relação entre a Universidade e os galpões de reciclagem, ou seja: colaborar e auxiliar nos coletivos de recicladores, de alguma maneira.
Meu primeiro contato foi através do convite feito pelo educador popular Pedro figueiredo que me convidou para conhecer alguns galpões de triagem, na região metropolitana de Porto Alegre
Essa experiência mudou minha forma de ver a arquitetura e sobretudo minha atuação dentro da faculdade de arquitetura da UFRGS, não só a minha, mas também as transformações q aconteceram naquela época (2005-2006) também atingiu felizmente outros colegas como o prof. Júlio cruz, Rufino Becker e o Douglas Aguiar, de lá pra cá muita coisa mudou.
Na época. Primeira coisa q fiz foi montar um projeto de extensão para atuar junto a associação catadores novo cidadão ACNC, situada em baixo de um famoso viaduto no Centro de porto alegre, o viaduto da Conceição, simultaneamente levei o tema dos galpões de reciclagem para a disciplina de projeto 7, contando com o apoio desses 3 colegas que começaram também a trabalhar em projetos de tema de relevância social junto a Ongs, assentamentos indígena, cooperativas, nas periferias.
Um ano depois montei um projeto de pesquisa sobre os galpões de reciclagem com o intuito de estudá-los e propor alternativas arquitetônicas, solicitei auxilio bolsa ao CNPq e foi negado, com a justificativa de que não era um projeto para ser desenvolvido dento da Universidade, e que deveria ser desenvolvido por um. Escritório de arquitetura, depois de três tentativas   2 anos consegui, um bolsa o projeto. Na verdade essa negativa resultou em algumas aprendizagens, que os alunos bolsistas são partes  importantes nesse processo, sem eles não é possível fazer muita coisa,; na maioria das vezes os recicladores dos galpões tem uma aceitação maior dos alunos-bolsistas eu do próprio professor,; também percebi que essa saída da universidade para a sociedade, para a rua era fundamental na formação dos alunos, em sua vivencia com as realidades sociais, proporcionar essa relação de abertura para eles é algo muito importante. Não é só uma relação de toma lá dá cá, uma relação só e produtividade para com os recicladores, mas também de produtividade ética com os alunos e com a sociedade. Essa relação tem e teve desdobramentos sociais e políticos incríveis dentro da faculdade, ora silenciosos, ora gritantes.

O que quero dizer com isso que durante esses de anos poucos benefícios levamos aos recicladores, mas com certeza aprendi, muito com eles sobre a vida, a questão da moradia, das necessidades do dia a dia; e a inutilidade que se tornou a arquitetura acadêmica –tipo aquela que se ensina museus shoppings, etc.- em meio a tantas dificuldades na vida dessas pessoas. Essa percepção que me foi oferecida em sua pura gratuidade por eles me faz me aproximar também dos moradores de rua, e dos catadores

Estamos agora na reta final elaborando um longo Manual de “Como construir e ou reformar um galpão de triagem” que deve estar concluído até o final de 2014.

Dessa primeira experiência a primeira coisa que percebi em meio a um universo gigante de carências, talvez a arquitetura não é a primeira necessidade, mesmo vendo as edifícios os galpões numa miserabilidade absoluta, nada disso parecia relevante frente ao que eles ganhavam passando o dia separando os materiais nas mesas, o que ganhavam era muito pouco; os banheiros muitas vezes estavam inutilizados, nem tinham nem vaso para as suas necessidades. Os problemas de saúde saltavam a vista: aids, tuberculose, droga dição, alcoolismo. Muitos problemas de ordem psicológico, mentais, problemas sérios dento das família, situações limites.
Me lembro muito bem um dia q conseguimos um psicólogo q estava fazendo mestrado na psicologia, para nos ajudar, ele era todo deleuziano, depois de conversar mais de 2 horas om o sr ‘x’ com cinquenta e tantos anos de dificuldades, prensador, depois de expor seus problemas  sofrimentos, o jovem nunca mais retornou. Muito difícil de conseguir parceiros que possam atuar constantemente junto aos recicladores. Apareceram muitas Ongs, voluntários, professores da universidade para colaborar, mas ao fim de um tempo, ninguém permanece, e fica entre os recicladores um sentimento de abandono terrível.
Nesses primeiros anos entre 2003 e 2010, trabalhamos em três galpões, ou melhor em quatro associações: O Profetas da Ecologia 1 e 2, A associação Catadores Novo Cidadão, e o Galpão de Reciclagem Rubem Berta, que na época estava o finado Prof. Nilton Fischer da Faculdade de Educação da Ufrgs trabalhando lá, e nos acolheu depois de uma desavença com o marista Ir Cecchin que se sentia dono dos galpões dos Profetas da Ecologia. E no Rubem Berta ficamos alguns anos até o falecimento do Prof. Milton Fischer.
Nos primeiros anos começamos a trabalhar na Extensão com A Associação Catadores Novo Cidadão, no qual pude conhecer a figura fantástica do Mathias, coordenador do galpão, e também simultaneamente trabalhamos no Profetas da Ecologia 1, no qual tivemos a oportunidade de conhecer a coordenadora Eliane Nunes Peres, a quem devo muito, que foi uma grande colaboradora incentivando-nos com seu acolhimento e alegria de vida. Nesse época contei com a ajuda incrível dos alunos bolsistas, Fernanda Schaan, Michele Rainmann, Camila Bernadelli, Camila Rocha, Bruno Euphrasio de Mello,  Amanda Kuhn, Ezequiel Pavelacky, entre outros
Em termos de necessidades por exemplo, no galpão profetas da Ecologia não tinha dinheiro para nada, nada, qualquer tentativa para melhorar o espaço, o ambiente de trabalho precisaríamos de recursos. Lembro que na época havia um cano de esgoto que vazava do banheiro que ficava no mezanino e pingava diretamente sobre uma bancada da cozinha, a cozinha era terrível, a cozinheira fazia um esforço sobre-humano para manter aquele local de certa forma limpo, somava-se a isso o fato da porta se abrir diretamente a porta para o lugar onde faziam a separação do lixo.
Tentamos enfrentar o problema por todos os lados e com um foco inicial na melhoria da cozinha, e tab. como melhorar a produção para q obtivessem melhores ganhos. Certo dia, estávamos bastante tristes e frustrados por não conseguir recursos para nada, e ai então ocorreu a ideia de reformar uns banheiros existentes colocando mosaico, era uma maneira de permanecer no galpão tentando ajudar, e de vermos alguma coisa florescer, os azulejos catávamos nos containers e o cimento cola comprávamos, e assim ficamos fazendo mosaico durante mais de um ano. Enfim ao fim de um certo tempo conseguimos recursos para deslocar o galpão de triagem para debaixo do viaduto e ali conseguimos fazer um projeto para a gaiola e uma cobertura plástica de painéis que ficou bem interessante. Pouco tempo depois saímos dali forçados pelo tal ir Cecchin.
Outra descoberta foi conhecer onde moravam essas recicladora; se o galpão era ruim, as casas onde moravam nas vilas eram pior, por exemplo na Associação catadores novo cidadão o coletivo pera todo de moradores de rua.
 Ali conheci também a jurema e a Dona Hilda, moradoras de rua, entre tantas outras pessoas maravilhosas.

"A partir de sua experiência e de sua equipe:

a)     Quais são as demandas dos triadores,
Eles se auto denominam recicladores, embora façam o trabalho de triagem, separação realmente. Catadores são os que trabalham com o carrinho ou mesmo a pé nas ruas catando o material.
 Os recicladores tem, ou já tiveram muitas lutas, muitas demandas, agora a situação está um pouco melhor, graças o reconhecimento da profissão pelo governo do presidente Lula, e da Dilma.
Mas continua carência de toda ordem, por exemplo enquanto cooperados-associados, eles levam desvantagem com quem tem carteira assinada e trabalha para um patrão, eles não tem carteira assinada, não descontam para aposentadoria, não possuem vale transporte, auxilio alimentação. Me lembro que uma vez participei de uma reunião que o CAMP, centro de assessoria movimentos populares fez com a Associação catadores novo cidadão, e um dos associados (moradora de rua) falava que ela não tinha dinheiro para o ônibus, e ela era aidética e não conseguia ir pegar os medicamentos e a prefeitura de porto alegre não dava o vale transporte para ela mesmo estando com aids, isso  porque não tinha comprovante de residência para ter o vale transporte, era chocante o grau de dificuldade que se estabelece para essas pessoas que vivem excluídas de tudo, na miséria mesmo.
Particularmente, cada galpão tem suas necessidades e suas singularidades, e assim cada reciclador e recicladores.
Penso que antes da questão da arquitetura entram necessidades mais emergentes como por exemplo, a questão da alimentação. Alguns galpões tem cozinha-refeitório com os equipamentos que o programa Fome Zero alguns anos atrás fornecia para as associações –mas não era fácil conseguir- outras obtiveram a partir de doações de empresas ou ONGs, tem também aqui em porto alegre a distribuição de cestas básicas  para esses coletivos, e redes de parcerias que fornecem doações de alimentos, que é muito legal, o maior problema é conseguir esses cadastros de tão difícil que é os tramites burocráticos, imagine para os recicladores, normalmente quem faz isso são apoiadores, Ongs que ajudam, ou mesmo quando nos galpões tem coordenações muito dinâmicas, ágeis e com bons contatos com políticos. Mas não é fácil
Ainda, talvez como já disse anteriormente, antes da arquitetura, ou a questão da produção, estão as questões de saúde, física mental, é impossível tentar aumentar a produção quando eles estão enfermos, ou com sérios problemas em casa, fica tudo muito difícil, muitos vão trabalhar nos galpões mas as vezes não ficam muito tempo porque ou o marido foi peso por tráfico, ou o filho está traficando e está ameaçado de morte, são centenas as histórias de desgraças. Problemas bucais tem todos. E é difícil aparecer profissionais dessas áreas nos galpões, principalmente médicos e psicólogos, na UFRGS tem uma professora maravilhosa da Odontologia, a profa. Dra. Marcia Cançado figueiredo, é de BH, que costumava me ajudar nos galpões, uma pessoa singular e demasiada humana.



b) A partir de um primeiro contato, como funciona o trabalho dos técnicos? Esse é outro problema não me considero um técnico, ou pelo menos não me considerava, achava que arquitetos não eram técnicos, técnicos seriam engenheiros ou outros profissionais das exata, mas convivendo com os recicladores percebi sim que éramos também técnicos, pouco a pouco venho tentando dialogar comigo mesmo para esse equilíbrio.
O primeiro contato, esse é uma questão fundamental, e estranha, mas passa pelo tato, pela mão, pelo trabalho, ou seja ao humano. Eles sabem que a Universidade vai para os galpões estudá-los, e não dão nenhum ou quase nenhum retorno, desde aquela época até hoje continua assim. Não são trouxas, e eles não gostam disso, ou pelo menos olhos com grande desconfiança. Me lembro de certa feita o Pedro figueiredo, que atuava na época como educador popular no galpão profetas da ecologia veio um dia me dizer que haviam combinado com um certo Prof. da universidade para ir lá conhecerem e levar seus alunos para conhecer o galpão de reciclagem, disse-me que chegaram com ônibus cheio de alunos, desceram rapidamente, tiraram muitas fotos do galpão e dos recicladores, enquanto a coordenadora explicava em que consistia o trabalho deles e de suas necessidades, não demoraram muito e partiram. Havia ficado a sensação que o galpão era como um zoológico, vieram conhecer gente pobre a uma certa distância, ver como trabalhavam com o lixo, tomaram ciência de alguns dados que precisavam para trabalhar nas salas de aula e nunca mais.
Tivemos muita sorte de ter conhecido o Pedro figueiredo que nos ensinou de como entrar dentro de um galpão dentro de uma comunidade, ou seja: através de uma entrega absoluta, de estado de permanência, indo o maior número de vezes possível no galpão durante a semana, trabalhando e ajudando eles em seu próprio trabalho, nem que seja por um dia, tocar no lixo mesmo, comer com eles, tomar café, conversar com um com outro, conhecer lentamente cada um deles, na medida em que também eles acabem nos conhecendo. O primeiro contato sempre um certo conhecer, não define nada, ou pode-se definir tudo, é como um namoro, um início de um relacionamento, melhor não fazer promessas. Quase todos que chegam lá ficam muito sensibilizados e prometem mundos e fundos e poucos muito poucos conseguem colaborar com alguma necessidade do galpão.

b)     O que vc e sua equipe priorizam quando prestam algum serviço para uma associação de triadores?"

Escutar, entender, conversar, na verdade os que os recicladores que mais gostam, necessitam, depois de muitos anos de observação, é pessoas que convivam e participem da vida deles, eles gostam que a Universidade esteja lá nos galpões, adoram os alunos desde que sejam poucos, adoram os professores, adoram quando a gente participa das festas e das conquistas deles. Eles gostem de sentir que tem pessoas que eles podem contar, que pode ajudá-los nem que seja nas mínimas coisas, eles gostam de se sentirem incluídos no mundo.
Muitas vezes promovíamos atividades na faculdade para leva-los até lá dentro da universidade, promovendo painéis, palestras, mesas redondas nas disciplinas de projeto arquitetônico, pequenas conversas com os alunos sobre a questão da reciclagem dos materiais, do cotidiano da vida deles, cinema, as vezes levávamos o coletivo de excursão com ônibus da UFRGS para conhecer outros galpões de reciclagem em outras cidades, e ai tudo é festa, mas para que isso acontecesse tinha-se que conseguir recursos para cobrir para cada um o dinheiro suficiente para um dia de trabalho, se não ninguém vai.



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