24/03/2009

MEMÓRIAS DO PROFETAS
Pedro Figueiredo

II


Apareceu um comprador. Este é o meu dilema. Não sei fazer isto. Não tenho jeito prá o negócio. O cara é um avião.
Pintamos o refeitório com o dinheiro das telhas vendidas. Ficou bonito, deu um sinal de limpeza. Falta alguns quadros no refeitório, O professor sugeriu que não pintasse o teto, mas surgiram sugestões de pintar o teto de azul. Talvez algumas plantas, aos poucos vamos deixando bonito, com mais vida verde.
Levei o professor Fuão ao Profetas num fim de tarde. Sentiu-se extasiado com as linha das elevadas olhadas de um novo ponto que com certeza ele nunca tinha visto. Visitou o Elias, o nosso morador de rua ecologista. Ele planta tudo que encontra, imagina roseiral em flor, codornas nestes lugares que foram destinados ao esquecimento de todos, menos daqueles que a iniquidade do sistema de morte os condenou.
Fizemos reunião do grupo de trabalhadores. Não conseguimos Ter ainda uma rotina, eles falham muito. Se pretende ter uma reunião de 2 hs., todas as semanas, e de quinze em quinze uma manhã inteira de formação. As brigas, desconfianças, são permanentes, parece que está na pele. A confiança está no que vem de fora. Vejo como muito importante o papel da gente - o educador popular - nestes momentos. Estou pensando que se nós contruísimos um tipo de relação com os grupos/coletivos produtivos em vista de colaborarmos com eles nem que fosse nesses momentos seria o suficiente, ajudaria muito. Desconfio que tocar o negócio eles fazem razoavelmente bem, o problema se dá muito nas dificuldades de dirimir os conflitos cotidianos. As pessoas vem com seus problemas, cansadas, seus filhos pequenos que ficaram em casa, os maiores com problema de drogas, o marido que não conversa ou está preso,( impressionante no profetas tem 6 homens presos). Quando tudo isso se junta no local de trabalho - pois ficam juntas 9 hs por dia – vira um problema que parece insondável. É preciso alguém que descodifique seus dramas, ajudando-as a entender as causas de tudo isso que sobre elas se abate.
Uma terceira mesa inaugurada. Mais três mulheres novas. O mesmo rodízio dos trabalhadores nos demais galpões se reflete aqui. Estes lugares são vistos não como empreendimentos onde possam serem construídos sujeitos, coletivos duradouros. São espaços onde a assistência social ronda de forma permanente. As mulheres saem todos os dias para a reunião da bolsa família, para apanhar o leite ou o ranchinho que uma igreja dá. Descobri que neste 15 de março uma das creches não abriu, e que janeiro e fevereiro passaram fechada. Imagina as creches de periferia de férias!!!. Tenho a impressão que é a única refeição que as crianças tem no dia. A gente nota um certo desespero no dia-dia das mães quando se fala das crianças, dos filhos adolecentes.
A Gladis chorou porque a partilha não saiu nesta Sexta-feira. Queria visitar o filho que está no presídio de segurança máxima de charqueadas. Elas – os familiares – tem que visitar os parentes com uma certa regularidade, porque este é um bom sinal para as autoridades do presídio, pois mostra que eles são queridos por familiares. Mas na mesa ela me contou que tem muito medo que aconteça o mesmo que aconteceu com o outro, no mesmo lugar, que dois meses depois de uma rebelião, foi-lhe entregue como doente mental.(ele era um importante traficante da vila dela) Ela me falou que ao menos ele estava aposentado, embora que muito pouco ele aparecia em casa pois rodava nas ruas de Porto Alegre. Ele é um destes negros, cabelos sujos que dormem fedidos nas calçadas do porto não muito alegre. Não é só a glades que tem filho em Charqueadas. A Neiva falou com orgulho do Andre seu companheiro atual, que graças a ela ele deixou de roubar, assumiu as suas três filhas, e hoje é bom companheiro. Noto que lá quem canta não é o galo. Falou também do irmão que está preso à 2 anos. A Neiva tem 26 anos com 5 filho. Cansou de tentar a bolsa família do governo. Ironia: Deu uma confusão com seu nome em São Paulo apareceu um nome igualzinho ao seu no computador, ela tinha que provar que ela era outra Neiva, foi na RF duas vezes, então desistiu.

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