07/10/2008

Profetas da Ecologia
Relatos de uma experiência

Visita para conversar com o Irmão Antonio Cechin

dia 09.06.2006, sexta feira, dia da abertura da Copa da Alemanha

por Bruno Euphrasio de Mello


Havia marcado o encontro com o Irmão Antonio Cechin através do Pedro.
Na terça feira passada, ao conversar com Pedro no galpão de reciclagem “Profetas da Ecologia 1” comentei com ele de meu interesse em conhecer o Irmão, por ser um personagem importante na abertura de uma serie de galpões de reciclagem na cidade de Porto Alegre. Combinamos que ele marcaria o encontro e me avisaria.
Na sexta, conforme combinado, fui ao encontro de Pedro na porta do prédio do Irmão, no Centro da cidade. Esperei pouco tempo na rua e ele logo chegou. Me cumprimentou e disse que estava com medo de eu não ir ao encontro por conta do inicio da copa. O irmão havia ligado pra ele achando que eu não iria pois o encontro havia sido marcado para o horário do primeiro jogo da copa. “Essa juventude, sabe como é...” teria dito o irmão à Pedro.
Subimos ao seu andar e fomos recebidos, à porta, por sua irmã, Matilde, que nos pediu que esperássemos, pois o Irmão Antonio estava descansando. Encaminhou-nos para uma saleta a frente da cozinha (daquelas abertas separadas da sala por um balcão e prateleiras vazadas). Na verdade, Pedro seguiu direto para esse espaço social da casa, eu só o segui. Sentamos numa grande mesa de madeira, enfeitando a sala 3 relógios cucos, um outro relógio de parede que, ao invés de tocar, piava. Havia também quadros com gravuras pintadas em papel. Belíssimos desenhos. Acima do centro da mesa um lustre rendado. A luz de fora entrava pela janela da sala e era filtrada pela cortina, o que fazia a sala ficar amarelada.
Enquanto esperávamos a chegada do Irmão Antonio Cechin, Pedro me refez o convite que havia feito na terça, de participar duma pedalada que passaria por uma serie de cidade do estado, na data da morte de Sepé Tiaraju, relembrando seus últimos passos. Há uma importância político-ideologica nessa atividade, que é, ao refazer os passos desse personagem visto por ele como um herói popular, como um símbolo de resistência, fazer com que as populações mais pobres se apropriem desse mártir, conheçam sua historia. A idéia tem relação com a luta dos movimentos pela terra no sul do estado, contrapondo-se às grandes propriedades rurais da região.
O irmão chegou caminhando com vagar. Deve ter uns 80 anos de idade. Me levantei e, ao cumprimenta-lo disse: “Como vai o senhor?” De pronto ele me respondeu: “Senhor não, me chame por tu, você, mas senhor não.” Cumprimentou com um aperto de mão também Pedro e puxou uma cadeira da cozinha para se sentar.
Pedro me apresentou, contou brevemente de minha viagem de bicicleta pelo estado, e disse que me levou ao encontro com o Irmão, atendendo ao meu pedido, por detectar em mim uma sensibilidade popular muito preciosa. Trocou ainda mais duas ou três palavras com o Irmão e disse que partiria. Ele já tinha me dito que não queria ficar na conversa, que tinha outras tarefas a realizar no dia. Não adiantou nem a insistência do irmão para que Pedro ficasse, ele mau nos apresentou, partiu.
Ficamos então sozinhos, eu e o Irmão Antonio. Disse pra ele do que se tratava o trabalho e o perguntei se havia problema em anotar a conversa. Ele me disse que não havia problema, que sua vida era um livro aberto. Conversamos por umas 2hs. Terminamos a conversa no meio pois ele tinha um compromisso marcado. Durante toda a conversa sua irmã só apareceu uma vez pra procurar a lista telefônica.
A conversa foi cronologicamente caótica. Não consegui estabelecer uma linha de sucessão de acontecimentos com clareza. E por não conhecer bem o Irmão resolvi não interrompê-lo durante seu relato.
Irmão Antonio Cechin é marista, tem uma relação muito forte com a teologia da libertação, participou de uma serie de organizações jovens relacionadas à Igreja – JAC, JEC, JIC, JOC, JUC. Ele me disse o significado de todas essas siglas mas não consegui anotar todas e não quis pausar a conversa para anotar. Me lembro da JEC (juventude estudantil católica), JOC (juventude operaria católica). As outras só mudam a palavra do meio.
Falou da importância dos ideais de Dom Hélder Câmara, de Paulo Freire e a pedagogia do oprimido, do método das palavras geradoras, da alfabetização baseada no cotidiano e nos problemas corriqueiros do povo. Foi incisivo ao dizer que o oprimido introjetou os valores do opressor e esse método de alfabetização ia contra essa tendência. Relatou o contato que teve com um método criado pela juventude francesa (ou utilizada por ela) chamada movimento de educação de base. Suas três palavras fundamentais eram VER, JULGAR, AGIR. Tendo ele destacado o ver, o ato de se debruçar reflexivamente sobre a realidade.
Me contou sobre um método de analise da realidade, acho que baseado nesse movimento, não sei ao certo, que tem uma conexão com o Marxismo. Uma coisa um pouco confusa pro meu entendimento, com nomes de autores e teóricos estrangeiros que eu não consegui entender bem e acho que mesmo se entendesse não iria saber escrever.
Irmão Cechin sofreu represarias por parte dos religiosos que participavam de seu circulo de amizades ou de atividades eclesiásticas, sendo acusado de comunista, de ter esquecido Deus, de não rezar mais. Nesse período trabalhava na PUC e por conta dessas acusações não foi mais recebido pelos irmãos maristas e se afastou (ou foi afastado) da universidade.
Me disse que a ditadura alienou o povo. Que tinha boas relações com a juventude guerrilheira do período de exceção, que tinha ligação com os frades dominicanos. Via, nesse período, a importância de evangelizar a partir do ponto de vista dos vencidos.
Após sua prisão, no período pos golpe de 64, passa a organizar sua vida em função da periferia e dos pobres. Pelo ano de 1975 vai morar em Canoas, na periferia, e lá organiza ocupações da população que veio do interior pra trabalhar no pólo industrial de canoas e morava em malocas e barracos. Todos esse movimentos que realizou de 75 até 85, período em que morou em Canoas, tem relação com “luta pela moradia, saúde, educação, alimentação.”
Realizou trabalho também nas comunidades eclesiásticas de base, organizando comunidades, para mudar a realidade dos bairros.
No meio da conversa começou a falar dos padres Jesuítas saídos das reduções de Assunção, no Paraguai, dos índios reduzidos, se defendendo dos bandeirantes, da criação dos 7 povos das missões. E, pouco depois, ao falar de sua experiência com os catadores da ilha grande dos marinheiros a partir do trabalho da irmã belgo-francesa Mari, que trabalhava com os ilhéus fazendo artesanato, disse que o sonho desta irmã era criar uma “aldeia de artesãos”.
Em 1985, ao sair de canoas onde só trabalhava com operários, foi trabalhar na Ilha Grande do Marinheiros, organizando o “primeiro coletivo”. Sua idéia era, em suas palavras, radicalizar o trabalho com a parcela mais pobre da população, nesse caso os catadores da Ilha. Segundo Irmão Antonio, o pessoal da ilha era do interior e decaiu demais socialmente ao chegar por lá, ficando na extrema miséria. Vinham de lá para Porto Alegre catar lixo, principalmente comida. O lixo que mais interessava eram os restos de restaurante. Na ilha criavam porcos para vender em Porto Alegre no fim do ano. “Eram o resguardo dos Ilhéus.”
Montaram o galpão na ilha. Demoraram três meses para fazer o pessoal sair do chão e começar a separar o lixo na mesa. Ele via seu trabalho como uma contracultura no meio da miséria. No meio daquelas pessoas onde havia roubo, cachaça, sexo, AIDS.
Iniciaram o trabalho com dez famílias. Trabalho que, em seu entendimento, fracassou. As pessoas não mudavam de vida, não se organizavam dentro de seus pressupostos. Muitas vezes ele ficou até tarde da noite no galpão para pesar o material triado. Muitos que ali trabalhavam usavam meios desonestos para aumentar sua renda, na pesagem. Colocavam pedra no meio do plástico pra pesar mais, ,olhavam papel e papelão pra pesar mais. No fim, ninguém queria mais comprar material deles. “Não vingava”. Acabaram devendo mais do que tendo lucro.
O irmão então resolveu fechar o galpão. Ao comunicar os trabalhadores da Ilha que pretendia fecha-lo, ameaçaram atear fogo no galpão. O irmão relatou momentos que roubaram seu carro. “Fomos aprendendo a lidar com eles na base da porrada.”
Disse que lá “as crianças são ensinadas a roubar desde cedo, como forma de defesa”. Disse também que o Profetas da Ecologia 2 “só acertou com o Pedro lá. Já Imaginou 20 moradores de rua morando juntos o que não dá de confusão? Relacionando após essa confusão ao roubo, ao uso de drogas, á briga, à devassidão.
Relatou que quem primeiro viu valor no lixo foi o pobre. Que hoje lixo é fortuna, fonte de riqueza.
Para o Irmão, o segredo do trabalho no lixo e com os catadores é a riqueza das relações entre catadores e os produtores de lixo, trabalhando ecologicamente na separação do lixo. Contou as relações inter-pessoais dos que iam à igreja levando seu lixo separado feliz da vida por estar ajudando o catador, gente de classe media com lixo limpo, roupas para das aos catadores. A felicidade dos produtores do lixo favorecendo uma família que vai, a partir dessa dádiva, sobreviver.
Disse ainda que a administração do PT estragou tudo porque acabou com essa relação inter-pessoal entre “catadores” e “produtores”. O DMLU puxou para si a coleta seletiva e, desde então, “a coleta seletiva que tinha uma rica relação inter-pessoal foi pro beleleu.”
Na administração do PT é chamado pra organizar a questão dos galpões de reciclagem de lixo na cidade e, com um dinheiro que ele buscou através de uma igreja na Alemanha, construiu três galpões. Em suas palavras “construí três galpões com o dinheiro que só dava pra fazer um.” 1 na ilha dos marinheiros, 1 na vila dique (Santíssima Trindade) e um no Rubem Berta.
Durante toda a conversa sempre fez questão de salientar que prioriza o trabalho com “os pobres e os mais abandonados”. Sempre buscando “educar o povo, fazer o coletivo”.
Perguntei-o sobre a experiência no “Profetas da Ecologia 1”.
Após as experiências com os outros espaços de triagem de lixo, resolve organizar os carrinheiros. Descobriu um sujeito que dizia ter uma associação de catadores, com quem ele fez um pacto pra criar o Profetas 1. Combinou com esse sujeito que ele deveria arrumar 20 carrinheiros e o Irmão arrumaria 20 carrinhos pro pessoal trabalhar através de um conhecido que era Diretor do Banrisul e da Caixa Econômica.
Nesse espaço onde hoje está o “Profetas da Ecologia 1” ficava a Vila Tripa. As 60 famílias que moravam ali foram transferidas para o Rubem Berta, e, tendo ficado vago o espaço, ele resolveu ocupar com esse grupo de carrinheiros para montar o Galpão. Por ter relações com o Tarso e com outras pessoas influentes da prefeitura, ocupou o terreno e no primeiro dia fez uma maloca. No segundo dia aparece uma ordem de desocupação do terreno, mas, tendo acionado seus contatos influentes, há a suspensão da ordem de reintegração de posse e ele consegue fazer a partir de um convenio com a prefeitura, a construção do galpão que hoje está lá.

2 comentários:

Anônimo disse...

muito bom! maravilhoso

Anônimo disse...

foi muito bom, exlentete!